domingo, 24 de agosto de 2008

Queda

Olhos fechados.
Deslizei as mãos no beiral da ponte. Fuligem. Poeira. Áspero. Gritos mecânicos às minhas costas fluíam em ondas revoltas. Ergui as pernas.
Impulso. Sentei no beiral. O vento contrário martelou-me o corpo. Tentou preservar-me. O fluxo atrás de mim cessou. Ainda vibrava em meu peito. Inclinei-me. A ponte, minha cadeira de balanço.
Fui. Voltei. Fui. A vibração parou. Hesitei. Esperei. O vento amigo repetiu-se. A vibração às costas não parou. Explodiu nervosa. Maior. "Quem me olharia?"
Abri os olhos.
O sol refletido na água cegou-me. A pressão às costas combatia o vento. "Algum carro sorriria ao me ver?"
O vento acariciou minhas mãos. Subiu até meu rosto. Beijou-me. Morreu.
A pressão mecânica venceu.

domingo, 17 de agosto de 2008

Esmaecer

Um Poema para mudar o Ritmo. Um pouco de melodia e lirismo ao Conto seco.


Bufão é como me conhecem
Mas é apenas um papel
Neste mundo já sem céu
De ser o que se parece

Quem dentre vós se atreve
A sair de vossas cascas?
Tropeçar no baile de máscaras?
A ser o que não se mede?

Morto está o mundo, mas não o sabe
Ignorando vem eles à caça
Do prêmio mais fecundo

Corações de bufões em taça
Revestidos em papel timbrado
Bufões, à deriva no aguado

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Mini-Conto: Roleta Russa

"Estar perto não é ser presente, é estar no interior." A última frase de Jéssica. O sorriso de pôr-do-sol dela contrastava com a sala escura. Ela aquietou-se em meus braços. Enlacei-a. Agi.
Matei-a. Prova de amor. A única solução para nossos problemas. Morrer para viver. Tinha poucos minutos. Depositei seu corpo na incubadora. A pele negra no metal cinza. O computador escaneou a mente de Jéssica. Copiou-a.
Decifra-me ou devoro-te. Pensava ao esperar. A máquina decifraria as sutilezas de Jéssica? O monitor acendeu. O rosto de minha mulher na tela. Linhas e quadrados. Incolor. Abriu a boca.
"Por que dois e dois são quatro?" Blasé total. Caí de joelhos. Chorei.