sábado, 26 de abril de 2008

Elevador da Alma

A morte. A grande verdade da vida. Todos morrem, cedo ou tarde. É a única certeza. Morremos. A maioria das pessoas não pensa nisso. Na verdade, penso apenas por esperá-la.
Antes de morrer você vê sua vida passar diante dos olhos. Bobagem, eu pensava. Agora sei que é verdade. Um filme de baixo orçamento, mas minha vida. Ao menos tive uma idéia do que está acontecendo. Na situação atual não faz diferença. Mas somos cartesianos. Ainda não estou morto. Preciso ordenar as coisas na minha cabeça.
Sou Pedro Mortagua. Programador de computadores. Solteiro, 26. Com muito ainda para fazer. O dia começou de forma cotidiana. Acordar. Banho. Café da manhã. Engarrafamento. Estacionamento. Cubículo. Nada novo, nada diferente.
As diferenças começaram perto do almoço. Mas daquele jeito que só notamos quando o mundo vira de pernas para o ar. Sibele, a programadora do cubículo ao lado convidou-me para almoçar. O mesmo de todos os dias.
Quando desviei os olhos do monitor para encará-la, um vento gelado percorreu minha espinha. Almoçar com Sibele parecia à coisa mais importante do mundo. Não como quando se está apaixonado. Mas como se ao fazê-lo, eu me tornasse mais real.
Saímos. O elevador desceu. A sensação passou. Ficaram a fome e os olhos cansados.
Fomos ao restaurante chinês de sempre. A aparência era enganosa. A comida, chinesa. O dono, chileno. Nosso garçom, português. Sentamos. O garçom português nos atendeu. A segunda estranheza ocorreu. O rosto do garçom ficou preto vivo. Como em uma tela impressionista. Pisquei. Estava branco europeu.
Pensei estar cansado em excesso. Marcaria uma consulta oftalmológica. Nunca pensei em usar óculos. Não poderei comprá-los de qualquer forma.
Almoçamos com calma. Banalidades de escritório. Problemas familiares. Piadas. Falamos mal de nossos superiores. Nada fora do comum.
Sibele comeu. Entregou-me 20 reais. Pediu-me para pagar a conta. Aproveitaria o resto do horário para comprar um bota nova.
Fiquei alguns minutos sozinho. Deixei o peso no estômago diminuir. Paguei a conta. Lagarteei por instantes no sol. Pequenas obrigações do prazer. Comer bergamota no sol de inverno. Parar no sol depois do almoço. Não era inverno e não tinha bergamotas comigo. Contentei-me com a segunda opção.
Sentei em um banco de praça. Olhei as pessoas apressadas. O terceiro impacto me atingiu. Nem lembrava dos outros dois. Não tinha porque relacioná-los entre si.
Pisquei. As pessoas deixaram de existir. Como quando a pressão baixa e a vista escurece, mas sem a escuridão. Deixar de existir não é o termo correto. Elas piscaram. Por um segundo estavam ali. No outro estavam mais a frente. Como um corte mal feito de filme.
Baixei a cabeça. Respirei fundo. Pediria uma licença no trabalho. Faria exames médicos. Descansaria alguns dias. Voltei apressado ao escritório. Estranhei o saguão vazio. Anormal para o horário. O elevador estava no décimo andar. Apertei o botão para chamá-lo. Levei um choque do interruptor. Eletricidade estática? Não estou mais certo. Olhei para os lados, para trás. Tentei encontrar alguém. Somente eu e um pássaro azul.
Fiquei apreensivo. Senti-me tolo. Estava com medo do monstro embaixo da cama. Mas não podia acender as luzes e fazer o monstro sumir. O elevador desceu.
Décimo andar. Apreensão. Nono. Medo. Oitavo. Medo. Sétimo. Medo. Sexto. O saguão cresceu. Quinta. Encolhi. Quarto. Medo. Terceiro. Encolhi mais. Segundo. Saguão gigante. Térreo. Portas abertas. Atirei-me. Espelhos. Música irritante.
Apertei o botão para o 20° andar. O elevador subiu até o 15°. Parou. Respiração suspensa. O medo infantil desapareceria com a entrada de qualquer pessoa. As portas abriram. Meu temor não desapareceu. Ninguém entrou.
As portas abriram-se para uma imensidão negra. Era como estar em uma nave espacial e olhar para o espaço, mas não havia sol ou estrelas. Enxergava apenas o nada. Se é que isso pode ser enxergado.
A única luz que tinha vinha do teto do elevador. Nada mais. Estou aqui há meia hora. Apertei os botões do painel. Andares. Alarme. Abrir portas. Fechar portas. Ventilador. Luzes. Nada. Estou sentado no chão do elevador.
Olho para um buraco negro sem energia ou matéria. Pelo menos assim o vejo. Por sorte, ainda tenho gravidade. Fora daqui não sei dizer. E se o nada a minha frente é um vácuo? Por que não fui sugado? Ou o ar a minha volta?
Morrerei. De fome. De sede. Talvez demore três ou quatro dias. Mas morrerei. Ou por falta de ar. Não sei.
Penso nos acontecimentos estranhos. Avisos de alguma espécie. “Viva sua vida melhor. Você não sabe quando vai deixar de tê-la”. Não quero morrer. Não vivi uma vida vazia. Talvez os avisos não fossem sobre viver ou morrer. Fossem sobre outra coisa. Não faz diferença. Não entendi o significado antes de estar aqui.
Usarei minha mente cartesiana para manter-me são. Dizem que existe mais de uma dimensão. Talvez tenha ido para outra ao entrar no elevador. Se for isso, sou muito azarado. Podia ter ido para um lugar melhorzinho.
Morri ao levar o choque? Além de azarado seria um grande perdedor. Morrer eletrocutado por um botão de plástico? Sempre achei que plástico era isolante elétrico!
Se a morte é isto ela é decepcionante. Céu? Purgatório? Inferno? Até virar um fantasma seria mais emocionante.
Mas se estou morto não faz diferença colocar meu braço fora do elevador. Estou com minha carteira. Posso colocá-la para fora. Ver se algo acontece.
Nada. Não custa espiar para fora.
Nada também, não importa o lado. Apenas um grande vazio negro. Provavelmente atrás do elevador seja o mesmo.
Pular? Não, obrigado. Cair o resto da eternidade não me agrada. Mas posso me apoiar na beirada. Ver se alcanço algo com os pés.

As horas passaram – três para ser exato – e só comprovei a falta de algo físico na imensidão negra. Minha sorte, o ar não acabou. Antes não me importaria que acabasse. Agora, não quero mais morrer. A tristeza não me afeta mais. Posso achar um jeito de sair daqui! Sei que posso!

Três dias! Três dias e nada. Não sinto fome, sede ou vontade de ir ao banheiro. Sono? Com esforço, alguns cochilos. Talvez tenha morrido. Se for real isso, estou em um elevador de almas. Aqueles que sobem para o Céu e descem para o Inferno. O problema que este nem sobe nem desce.

Uma semana! As coisas já não estão tão ruins. Minhas meias viraram um boneco. Adeilton. Não fala muito, mas faz companhia. Conversando com ele lembrei que os cegos sonham colorido. Talvez esteja cego e não aceite isso. Ou catatônico na minha prisão mental!

Adeilton me mostrou um ponto azulado longe do elevador. Decidiu ir até a mancha colorida. Jogou-se para a imensidão negra. Pobre coitado. Espero que não morra com a queda ou caia para sempre. Minha camisa conversa comigo agora. Roberta. Tímida, exceto quando está bêbada. Pena não termos bebidas.

Duas semanas! Já é demais! Adeus, Roberta! Jogarei-me como fez Adeilton. Se quires, fique aí. Tudo bem. Sentirei saudades também. Adeus.
Pulo. Prefiro o desconhecido a ficar preso ao elevador.

8 comentários:

Anônimo disse...

Sonhei que estava comentando em um blog. Nada mais justo que concretizar essa previsão no teu blog ;)

Anônimo disse...

afinal, qual o momento q o cara morre???? :p

O Escriba disse...

Carol, quando ele morre é algo que fica a teu critério. Se eu disser, o conto perde a sua função de reflexão.
Afinal, ele pode não ter morrido também. :D
Beijos.

Anônimo disse...

resposta: AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Anônimo disse...

resposta: AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
< o>

Anônimo disse...

p mim ele ñ morreu O_o
ele enlouqueceu por algum tempo (ñ o tempo q ele pensou ter passado), já q tava estressado e insatisfeito (?) pelo jeito q ele tava vivendo a vida dele... sei lá o_O talvez ainda ele esteja louco... vivendo nesse mundo pós-elevador imaginado por ele xD~~
O__o

O Escriba disse...

essa é uma visão interessante.
mas se ele está preso em sua imaginação, onde ele cairá ao sair do elevador?

Marcita disse...
Este comentário foi removido pelo autor.