Sons indistintos preenchem as galerias. Vozes. Dezenas de tons diferentes. Uma melodia cacofônica. Em seguida, luz preenche o túnel. Belle e Jocasta saem das galerias.
Tochas nas paredes iluminam a estação de metro. Belle pisca. Conta de forma automática. 42 pessoas. A maioria deformada. Alguns com ‘algo’ incomum. Próximos a uma escada dois homem tocam violino. Uma mulher os guia no violão. A música os embala. Belle esquece o que vê. O cheiro de mofo e umidade desaparece.
Jocasta segura-a pela mão. “Anódina ver você.” A visão e os cheiros retornam. Caminham entre as pessoas. Cessam as conversas. Olhos analíticos. Passam pelos músicos. Cessa a música.
Descem as escadas. Um corredor estreito terminado com uma cortina. Atrás desta, vultos espectrais. Jocasta aponta para os espectros. “Esperam você.”
Belle passa pela cortina. Fumaça espessa de incenso preenche o ambiente. Cheiro forte de canela. Com dificuldade enxerga um homem em pé e uma mulher no sofá.
“Bem-vinda, X-49. Sou Licurgo.” Diz o homem. Aponta para o sofá. “Está é Anódina.”
Os olhos de Belle adaptam-se a névoa. Licurgo parece um soldado. Dois metros de altura. Curvado. O braço direito feito de aço. Anódina some atrás de Licurgo. Pequena. Prestes a quebrar como uma estátua de gelo. “Sente menina.” Anódina aponta outro sofá. “Como quer ser chamada?”
Belle senta. Sorri. O coração acelera. A voz de Anódina é a voz de sua mãe. “Belle. Meu nome é Belle. Que tá acontecendo?”
Anódina segura-lhe a mão. “O mundo está fora do eixo, Belle. Desde os anos 2000. Explicações trazem mais perguntas. Posso contar o que sei. Mas você terá mais perguntas. Quer?”
Belle puxa a mão. Cruza os braços. “... não sei. Acho... acho que sim.”
“Bem-vinda ao Submundo. Somos o refugo final da ganância dos livres para buscarem a verdade. Livres por saberem a verdade necessária para buscar mais verdades. Cientistas, Belle, cientistas!”
Anódina respira a fumaça. Solta baforadas de incenso. “Eles não se responsabilizam mais. Vendem-se para quem pagar mais. Por que é a pergunta. E a verdade, toda a resposta. Nós somos o resultado da busca. Todos sabem que existimos, mas fingem que não. Viemos de empresas diferentes. Mas somos iguais. Testes. Cobaias. O futuro defeituoso.”
Licurgo olha o braço metálico. “Somos o poder de deuses em caixas de Pandora. Deformados. Não podemos ficar nas ruas. Seriamos caçados.”
Anódina fica em pé no sofá. Acaricia o rosto de Licurgo. Olha para Belle. “Somos frutos de segredos. Qual será o seu? Somos distorcidos, você perfeita. Qual o novo jogo das corporações? E a mãe de todas as perguntas, ainda somos humanos?”
Belle joga o corpo contra o sofá. “... não sei. Estou confusa...”
“Tudo ficará bem. Ampliaram teus sentidos e teu crescimento. Físico e mental. Tudo fará sentido. Descanse pequena Belle, descanse.”
Os olhos de Belle pesam. O corpo amolece. Talvez seja a fumaça ou a voz maternal de Anódina. Adormece.
Acorda. Está na cama inferior de um beliche. A porta do quarto abre. Licurgo entra. “Bom dia, garota. Melhor? Você tem que saber algumas coisas.” Licurgo senta no chão. “Temos muitos nomes. Mas nos chamamos de Sobreviventes. Alguns, Aberrações, como eu. Não podem esconder sua qualidade. Outros, Falsos, como você, podem.”
“Eu sou uma falsa?”
“Na verdade, não. Falsos deixam as pessoas desconfortáveis. Você não. É a primeira sobre-humana real. Infelizmente, não será a ultima.”
“Isso... é estranho...”
“Entendo. Realmente entendo. Bom, eles aumentaram seus sentidos. Ver no escuro, ouvir a distância, essas coisas. Anódina disse que tem algo latente em você, mas não pode identificar.
Belle senta na cama. Olhos arregalados. “Ela sabe o que fizeram comigo?”
“Sim. Ela é uma das primeiras. Testes com poderes mentais. Bagunçaram a mente dela. No final, ela conseguia saber o dom de cada cobaia. Eles não sabiam da alteração na voz. Sorte nossa. Ela fugiu e criou o Submundo.
Fui um dos primeiros a ser salvo. Há dez anos ou mais, não sei. Vivo aqui desde então. Organizo os resgates. Tenho contatos. Infelizmente, não podemos salvar todos. É difícil competir com os Olhos Negros.”
“E Alex?”
Licurgo franze a testa. “Sinto muito, não podemos salvá-lo. Ele está com os Olhos agora.”
“E esses contatos?”
“Apenas isso. Informantes nas corporações. Não arriscam a pele de verdade.” Licurgo toca o ombro de Belle. “Aceite os fatos, ele deve estar morto agora.”
“Não! É minha culpa. Tenho que fazer algo...”
“Ele sabia dos riscos. Não há nada a fazer. Descanse.”
“Não quero descansar! Não temos tempo a perder. Eles irão matá-lo. Tenho de resgatá-lo!”
“O amadurecimento forçado causa essa raiva...”
“Não me interessa! Vou resgatá-lo. Ponto final.”
“Está bem. Não posso impedir. É decisão sua. Talvez alguém queira ajudar.”
Poema 266 - Correr
Há 13 anos
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